Words like violence
Break the silence
Come crashing in
Into my little world
One life, but we're not the same.
We get to carry each other, carry each other.
One love!
One!
Quando minha esposa disse que seria uma menina, foi difícil esconder que fiquei desapontado. A gravidez me convocou pra um desejo de cumplicidade, envolvendo mostrar, compartilhar para um carinha meus ídolos, minhas músicas, minhas manias toscas de macho. É fato que com a notícia, simultaneamente, desabrochara uma ternurazinha, que me remetia a um território mais feminino em nossa casa.
Olhava pra barriga, um avolumamento de gentes, sangue, vísceras, afetos. Minha mulher apresentava uma felicidade contida pelas dores e enjôos e eu, me sentindo como um astronauta, chegando em uma Terra paralela: reconhecia tudo e, ainda assim, era totalmente diferente.
Dia do parto: ela pedia loucamente pra que eu segure a sua mão. Meu medo de falhar e minha incompetência como humano forte quase me fez desmaiar na hora do parto. Mas a beleza brusca do nascimento dela deu forças o suficiente pra respirar e lembrar. Uma lágrima descia pelo milagre e outra, pela ausência de meus pais.
Tinha muito medo de segurá-la, “como o universo produzia algo tão frágil?”, eu me perguntava, me sentindo meio traído e meio responsabilizado. Cada surpresa do mundo era uma ameaça, cada segundo de vida dela uma vitória, vitória essa, compartilhada por gerações e gerações no inconstante ato de sobreviver. Sempre que podia, repassava, humilhado em meu íntimo, seu corpinho para a mãe, a avó, os tios, a babá.
Já se passava um mês, e minha mulher, com seu cuidado e olhar minimamente compreensivo, me cobrava em suspiros intervalares rumo a uma maior permanência no contato com a filha. Eu haveria de me tornar totalmente pai, ou um arremedo de fornecimento genético.
Naquela tarde, a babá foi bruscamente tsunamiada pela notícia de um acidente com o filho do meio – saberíamos horas depois que não era grave. Me avisou aos prantos e eu não tinha outra alternativa, a não ser liberá-la: ela sabia que eu tinha a tarde livre. Minha mulher tinha ido a vizinha de baixo escolher algumas roupinhas para a menina. Pensei em ligar pra ela, mas me senti o maior covarde da Terra. Foi então que peguei a menina em meus braços.
Ela me olhou, um pouco tonta da novidade do mundo. Reparei em seu nariz, que lembrava o do meu pai, e os olhos, que lembrava os de minha mãe. Senti saudade e alívio ao mesmo tempo. A vida continuava, de uma forma misteriosa e presente. Olhei pra suas mãos, seus movimentos leves, seu cheiro, tão específico. Meus braços, talvez em um ativamento ancestral, ganhava mais destreza no ato de aconchegá-la. Olhei em seus olhos, maternos e inexperientes. Ela olhava pros meus. Sorria, tênuamente. Ela emitia sons de prazer, de alegria de compartilhar. Senti plenamente pertecendo ao mundo, ao cosmos, enfim, à paternidade. Ali, naquela breve contração dos tempos, nos tornamos um, pai e filha. Sentia paz, amor, gratidão. Ela sentia o mesmo, acrescentada a pureza em despalavra. Nós éramos tudo, estávamos em tudo, e nossa íntima experiência cultivava a existência de maiores nobrezas. Ficamos ali uma eternidade, que durou milênios, civilizações, até a mãe chegar, se juntar a nós e nos entendermos, finalmente, enquanto família, enquanto laço que se constitui de sangue e intimidade, ambos facetas dos envoltórios da mais intensa relação.
Minha filha foi crescendo e a palavra povoava a distância entre nós. Abraços e carinhos devolviam a pequenos preços, conquistas da civilização. A cada momento, uma decisão: fazê-la caminhar era ensinar também a como se separar de nós. Levá-la pra creche era desinstituir a família durante aquele tempo. Trabalhar até mais tarde pra pagar a sua festinha, retirava a possibilidade de outras micro-celebrações, que no fundo, eu sabia, eram mais importantes. Dar o laptop infantil de presente era contribuir pra mecanização do lar, doída piada chapliniana. A história se escrevia à força entre nós, perante nossos afetos a-históricos. Mostrando-me seus desenhos, ela dizia que eu estava neles, mas eu não me reconhecia.
Olho pela janela e vejo pessoas assistindo a TV, cozinhando e trocando de roupa. E olho pra minha filha. Cabe a mim, aqui e agora, tornar esse momento sublime.
2 comentários:
É....a coisa é punk , heavy metal!
Lindo texto!
Inevitável a emoção que vem sem pedir licença...
Mais ainda quando precisamos depois de tudo, tornar sublime alguma coisa que nunca em vida poderíamos supor que fosse possível.
Pessimista? Possa ser..o que também não significa uma impossibilidade, mas a árdua tarefa de tornar sublime, assusta.
Me lembrei de uma música que deve ser para muitos bem brega rsrs, mas eu adoro e acho que tem muito a ver com o ato de tornar sublime esta relação.
Aí vai ela:
http://www.youtube.com/watch?v=41-oA7HLonY
Resta confiar que o mergulho pode surpreender. Lembro muito também dessa versão de "Father and Son" do Cat Stevens. Aqui, é o grande Johnny Cash com a Fiona Apple, aparentemente, pai e filha musicais, espirituais, deram um contorno inédito (e sim, sublime!!!)para a canção:
http://www.youtube.com/watch?v=3KY5vqfSKUY
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