Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

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5.10.10

Normalim


A trepadinha dos seus pais foi bem normalzinha, com orgasmos tímidos apagados pela ejaculação. A gravidez seguiu sem grandes problemas, apenas com desejos de sorvete com provolone, nada demais. O parto foi, como diria a avó, “normalim, normalim...”.


Seguiu-se uma infância normal, ciúme da irmã que veio a seguir, brigas no jardim de infância, festas de aniversário cuja amiguinha mais querida lhe deu um presente furreco, mas que ainda assim, guardou com o carinho possível de uma criança, ou seja, depois de alguns meses o carrinho de plástico sumiu, ou ficou deveras defeituoso.


Teve as doenças usuais, catapora, febres – algumas altas - cáries. Pra insuficiência respiratória, fez natação, meio que resolveu. Levou algumas palmadas por coisas que, ele sabia, eram erradas, outras, não entendeu bem o porquê, mas nada traumatizante.


Na adolescência fez alguns amigos, o pai desconfiava que eram loosers, a mãe simpatizava com aquele que usava óculos. Se apaixonou pela mais bonita da turma, ela era atenciosa com ele, mas nada mais que isso. Na festa junina, quando ele a viu se beijando com o colega babaca e mais rico, sentiu vontade de morrer, mas passou alguns dias depois.


Namorou a quase-amiga, até que gostava dela. Tentou medicina, acabou fazendo nutrição, para o horror do pai. Lá conheceu a sua futura esposa, com quem montou um clínica semi-falida. Tiveram três filhos de partos normais: menino-menina-menino. O mais novo era vesgo, foi muito gozado no colégio e fizeram, por isso, tratamento fora e sempre lhe davam presentes. O mais velho o perdoava por tanta atenção, a irmã, meio que nunca superou, mas seguiu em frente dentro do possível.


Quando os filhos acabaram as faculdades (o mais novo não, administrava meio que mau, a clínica e ponto) decidiu se aposentar, mas acabou abrindo uma banca de jornal. Parou de ver os jogos no estádio e só via pela TV de plasma que pagou de 12 vezes, instalada na banca. O câncer veio um pouco depois, mas tava no começo.


Teve um caso com a empregada gostosa (a esposa perdeu o interesse por sexo logo, e só pensava em sudoku e receitas da Ana Maria Braga), mas deu alguns presentes caros e nunca mais a viu.


As portas da morte lhe assustavam, ficou um pouco mais religioso. Sofreu com o câncer, a família ficou do seu lado, sentiu muita culpa em relação à esposa. Nos últimos segundos, veio-lhe todo um universo paralelo: formado em medicina, filhos médicos, esposa deslumbrante, vida longa e feliz. Outro universo: solteirão, comedor, rico e cheio de amigos fodões. Um último: seminarista revolucionário, que comia quase todas as freiras (só as mais gostosas). Desse ele gostou mais e riu debilmente. Suspirou leeeentamente. Morreu no hospital, foi enterrado com um caixão mediano, ao lado dos pais. Fizeram missa de sétimo dia, de um mês, de um ano, depois disso, pouco falaram dele.

Um comentário:

Lucas Bandeira disse...

Parece Paul Auster, ehhehe. Menos o final.
Lucas