Matriarca desperta do sonho em que ocorria a mais selvagem Tempestade. Ela, em onírica inspiração, conjura a Vida, o Cosmos, os Deuses e chora em seus olhos e nas vísceras da Terra a Tempestade. A festa começa em toda a aldeia, porém, depois de muito torpor, o desespero toma conta, muitas cabanas são destruídas, a Tempestade toma conta do mundo. Na Aurora depois da Tempestade, o Menino se encaminha rumo à Matriarca.
- Eu...
- Você não pediu a benção, Menino!
-Matriarca criou a destruição para nós.
-Segui os desígnios. Assim é. A Tempestade faz parte do mundo, assim como o Sol e a montanha.
-Eu não quero mais os desígnios. Eu quero ir para a Lua!!!
-Ir para a Lua não é desígnio. Vasculhe sua Lua interior.
-Mas eu quero ir para a Lua!
-O firmamento não foi feito para o humano. O firmamento é firmamento, Menino.
-Mas eu quero...
-Não ouse perturbar os desígnios. A magia não tem querer, apenas fluir. Saia daqui e busque sua Lua interior. Vá!
O Menino saiu, com ódio e ansiedade no peito. Não buscou sua Lua interior e tramou nas penumbras como seguiria seus desejos. Por muito experimentar, conseguiu forjar uma adaga, uma primeira adaga, rústica, mas eficaz. Em uma noite mais sombria que o usual, ele caminhou mais uma vez rumo à Matriarca. Ela o olhou com esperança.
- Já descobriu a sua Lua?
- Sim, Matriarca, vim lhe mostrar.
Menino levou uma pedra esculpida em formato de meia Lua e entregou a Matriarca. Enquanto ela acariciava a pedra, Menino cravou profundamente a adaga em seu dorso. Menino, agora Homem, deixou a Matriarca sangrando e foi forjar mais e melhores adagas. As adagas se tornam lanças, flechas, espadas e outras ferramentas de guerra. O Homem se torna Patriaca, ordenando escravos e controlando mais e mais aldeias. Decreta o fim da magia. A marcha perpetua-se, a técnica do Patriarca gera muitas coisas: casas, automóveis, eletricidade, uma infinidade de objetos. O Patriarca, eivado do triunfo da ciência, inicia seu mais desejado projeto: sua nave majestosa se lança até a Lua.
Em sua tortuosa viagem, quase esquece de olhar a Terra, tão bela e azul, como jamais sonhara. Ele pousa, caminha pela Lua. Contempla a vastidão do Cosmos, ouvindo sussurros atemporais. Então, algo se passa nas entranhas do Patriarca: ele sente-se pertencendo ao Cosmos, emerge uma continuidade entre ele, a Lua, A Terra, o Sol e a imensidão; todas as alegrias, dores, prazeres, esperanças, ligações vizinhas e distantes se evidenciam. O Patriarca é Cosmos e tal consciência faz brotar dos seus olhos até nos limiares, as lágrimas da Tempestade, que tomam toda a vastidão. Patriarca percebe que a Tempestade não apenas destrói, ela muda os cenários, exige transformações, faz o imenso clamar-se. Percebeu que sua ciência é uma versão da magia tão odiada da Matriarca. A Tempestade é uma técnica cósmica, assim como sua nave é um desígnio. Foi quando o Patriarca, sôfrego, iluminou:
-Agora descobri minha Lua interior...
Patriarca, agora outro Homem, retorna o mais rápido que pode à Terra, e busca a Matriarca. Encontra-a quase morta, com seu sangue quase todo esvaído. Ele retira a adaga e usa todas as técnicas e magias possíveis para salvar a Matriarca, que curada, agora, Mulher. Eles se olham, compreendendo-se. Ir à Lua e descobrir a Lua interior são ambos motivações possíveis e complementares, tais como eles próprios. Homem e Mulher se abraçam em uma conjugação cósmica e mais uma vez lágrimas iniciam uma Tempestade, agora, a mais intensa de todas. O Cosmos se torna Tempestade, cuja intensidade explode em cada ínfimo. O Cosmos deixa de ser Cosmos e a Tempestade vai deixando de ser Tempestade. E então, toda a acontecência, em cada mais íntima filigrana, em inumeráveis infinitos e mínimos, emerge rumo ao Inconcebível.
2 comentários:
Não tinha lido mesmo.
" Patriarca, agora outro Homem....O Cosmos deixa de ser Cosmos e a Tempestade vai deixando de ser Tempestade....emerge rumo ao inconcebível"
Emerge rumo ao devir, puro devir?
É lindo o texto!!!
Valeu, Carol! Olha, eu acho q esse "Inconcebível" aí tem mais cheiro de transcendência a posteriori, né não?
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