When the night has no end
And the day yet to begin
As the room spins around
I need your love
And the day yet to begin
As the room spins around
I need your love
"Hawkmoon 269" U2
E aí?
Fiquei louco ontem, né?
Olha, não tô escrevendo pra
pedir desculpas. A única desculpa relevante é a mudança de atitude. Também não tô
te escrevendo por desconfiar se você “gostou ou não” de ontem. Vários vetores
de afetos e desejos passaram e passam por nós, é isso que interessa, como isso
nos (des)constrói e nos impulsiona pro que virá.
Quando eu cheguei pra falar,
logo notei você na plateia. Seu olhar desejante, ingênuo, sua paixão pulsante
sem nenhuma promessa de prudência. Meu primeiro golpe de racionalidade foi me
concentrar na minha fala e deixar rolar. Mas você foi me procurar; as placas
vermelhas no seu corpo, principalmente nos seios que se anunciavam generosos no
decote, a leve umidade do suor, o brilho inconstante no olhar, me hipnotizaram.
Eu estava ali, diante daquela conjuntura errática de beleza, juventude e desejo
fazendo com que o resto do mundo se tornasse um detalhe desnecessário.
Descemos juntos e tomamos um
café. Não sei bem o porquê do café, ambos estávamos devidamente estimulados.
Quando ninguém conhecido estava próximo, a conversa acerca dos limites das relações inconsciente-consciente, normalidade-loucura, natureza-cultura foi se
tornando cada vez mais prática. Vi o seu suor aumentar, senti a minha pulsação
cada vez mais intensa: o selvagem descompasso do corpo atravessado pelo tesão.
Fomos pro elevador, não se importando mais se alguém via o despudor do ruído molhado
dos lábios e línguas. Muito maior ainda, agora sei, a nossa imprudência em
deixar a porta aberta do local da minha fala ao retornarmos pra lá nos despindo.
Sem falar, é claro, dos nossos urros, enlaces improváveis de corpos (não sabia
que a biologia humana comportava aquelas posições), intumescências, mordidas,
arranhões, secreções, jorros.
Ao final, você longe de se sentir
saciada. Eu, talvez, feliz pros próximos dois séculos. Fomos pro bar
mais próximo. Coisas como “Ain’t no cure for love”, “The world in my eyes”, “Lovesong”, “Rollin' Stone” aumentaram
minha intensidade. Fui, saudavelmente, quem sabe, perdendo meu senso de qualquer coisa. Acordei aqui em casa, nunca
o apartamento esteve tão desordenado. Fui buscar um comprimido pra dor de
cabeça e vi seu bilhetinho, a letra tão desenhada quanto seus lábios, não
importam quais. Alguns flashes atormentam minha memória, talvez eu deva evitar
os vizinhos pelo som louco das nossas vozes cravejadas de insânias desejantes,
por termos derrubado vasos e abajures, por termos feito aquilo na janela, sob o
risco de algum adolescente insone ter espalhado um vídeo nosso pelas redes
sociais, o escândalo do desejo: a triste epifania midiática que inveja e
condena as epifanias íntimas? Por falar nisso, meu síndico está me cobrando uma nota por
termos quebrado a câmera do elevador. Não sei se foi sem querer ou se nós
queríamos os porteiros impedidos de assistir felação. Acho que não há câmeras
nos corredores, vou procurar saber: não sei se alguém nos viu entrarmos seminus
no apartamento. Ou o quanto foi ouvido das meus brados supostamente pornorrevolucionários
acerca dos quereres, das paixões.
Fico imaginando se eu deveria
ser responsável por tudo que fizemos. Por ter ficado louco ontem. O mais
sincero de mim pensa: ainda bem. Mas não quero me furtar a acolher como tudo
isso te atravessa. Pelo seu bilhete, intuo que você está atonitamente saciada.
Outras emoções podem afluir. Que venham.
Sim, fiquei louco ontem.
Muito obrigado.
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