Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

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25.4.10

-02. Se concebe, então é

Tempos imemoriais. Job e eu nos fundimos em ancestralidades em que sequer existe palavra.

Oha (daremos nomes) era um hermafrodita. Assim como eles, seus pares, habitavam o cosmos. Tinham hábitos divinos. Se concebe, logo existe. Suas mentes materializavam o inconcebível, beleza cósmica.

Os hermafroditas maravilhavam-se. Ser é maravilhar-se. Porque pode, porque se concebe, Dyah concebeu seres separados, com apenas um sexo. Pela primeira vez, Oha foi contra um ato dos seus. Não houve diálogo, como conhecemos, mas as derivações chegam até nós dessa forma:

- Dyah, para quê separar? Somos todos perfeitos assim...

- Oha, Oha, defensor do equilíbrio cósmico... Separei por diversão, porque posso, simplesmente. É divertido vê-los, sentí-los. Nunca vi isso antes, são... desorientados. Olham para a contraparte com "fascínio" e "medo".

- Mas não se preocupa com a condição deles? O quanto nosso completude lhes seria uma dádiva?

- Porque não? Não conhecíamos até então essa condição, agora conhecemos, e poderemos vislumbrar várias possibilidades.

Sem mais insistência Oha observou os masculinos e femininos. Assutava-Lhe aquela condição. As nobres características cósmicas estavam dissociadas, a incompletude assolava cada gesto, cada olhar, cada suspiro. Oha temia os separados. Para ele, se tornavam um sombrio prenúncio. Foi estar com outros semelhantes.

- Jhea, como pensa? Os separados, me soam aberrações...

- Oha, meu caro. É simplemente mais acontecência, e como, tal, contemplemos.

Oha esperou, ainda que preocupado. Os separados soavam como uma singularidade estranha, em que toda a conexão cósmica se desassociava. Dyah se apresentou aos separados e estes lhe tratavam com devoção. Adoravam-lhe. E, cada vez mais, Dyah se dedicava a essa adoração. Fizeram-lhe estátuas, cultos, cantos. A preocupação de Oha aumentou.

- Oha, não se preocupe Comigo. Eu estou pleno em minhas relações com os separados.

- Tem Se tornado denso, Dyah. Jamais observamos tal transformação antes.

- Apenas mais uma. Dentre várias. Porque a questão?

- A questão é que Você tem tornado o cosmos mais denso, menos fluido. Os separados e o culto em torno de Você tem concentrado forças do cosmos de forma única.

- Sim , sou o Deus deles. Não é peculiar?

- Mais do que isso, Dyah. Desequilibra...

- Eu sei, Eu sei: desequilibra as forças do cosmos. Vamos contemplar tal desequlíbrio!

Oha foi ter com os semelhantes. Dessa vez, a preocupação era maior.

-Dyah tem se densificado deveras. Começo a ressoar mais com Oha.

Emerge Dyah, todos já sentiam sua "proximidade".

- Vou continuar com Meus experimentos. Nunca Me senti assim: é marivilhoso.

- A densificação, a tendência à uma mais intensa separação está criando todo um nível mais denso de cosmos. Um outro aspecto. Uma outro nível de... "realidade"? Nós nos relacionávamos por ressonâncias simultâneas, agora a sua Presença tem um "antes" e um "depois".

Dyah era enfático:

-Não é fantástico, essa nova... "dimensão", o Tempo? Vou densificar e criar e criar, as possibilidades são infinitas!

Oha manifestou:

- Porém, junto com a separação, a densificação, O Tempo, vem algo que os separados experimentam: o "sofrimento".

- Sim! Uma nova sensação, um sentimento!

Oha se apavorou, mais os outros entenderam Dyah:

- Você está tomado por essas possibilidades. Preferimos outras, que não envolvam esse "sofrimento", de nenhuma mônada no cosmos. Porém, se concebe, então é. A densificação é uma acontecência, como todas as outras.

- Sim, meu deleite.

Oha, então, vislumbrou acontecências que pairavam à luz da densificação: sons, guerras, cópulas, nascimentos, mortes, escritas, controle, lei, desacelerações, criações. Surgiu, então em Oha, um "sentimento". Chamemos compaixão. Os separados estavam a mercê de si mesmos, à deriva, na vislumbrância em Oha.

Dyah se foi, tomado pelo deleite da adoração: ser Deus. Oha, então, decidiu atualizar-se entre os separados como um deles. Sua nova condição apenas por vislumbres atimais o fazia se "lembrar" de sua plena existência original enquanto hermafrodita, ser cósmico. Porém , a sua caminhada entre eles, suas sucessivas mortes e renascimentos, o faziam mais e mais se lembrar. E, sobretudo, a ressoar essa potência com todos à sua volta. A cada renascimento, Oha se sentia solitário, não se sentindo fazer parte daquele mundo. Mas a estranheza também o alimentava a buscar, e tal busca o fazia ressoar com o cosmos. Essa ressonância era a sua dádiva, consigo e com cada ínfimo do cosmos.

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