Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

Índice

ÍNDICE: textos

Pesquisar este blog

23.7.10

Pornoema

-->
Ninguém sabe ao certo como começou. Só se sabe que tomou de assalto o mundo, e tudo mudou desde então. Que me lembre, minha primeira idéia do que acontecia foi assim:

Minha amiga – que nunca escondeu o fato de adorar pornografia – me enviou um link avisando que dessa vez seria a coisa mais impressionante mesmo que eu já tinha visto.

Claro que fiquei cético, mas ela foi tão enfática que entrei no link e vi. Realmente foi impressionante. O casal era lindo em sua conjugação de corpos, tinha timing, tinha beleza, tinha contato extremo, cuidadoso e selvagem em uma medida inédita. Eles usavam roupas nada vulgares, e despiam-se com carinho, atenção, cuidado. Se entreolhavam profundamente, se beijavam longamente. Ficavam nus e transavam como em um balé de corpos ardentes, de seres que se amam. Nunca tinha visto tamanho desejo conjugado com tanto afeto. Ali. Escancarado em meu computador. Senti uma lágrima percorrendo meu rosto e eu estava com meu pau completamente ereto. Sensações múltiplas, desejos intensos: fui completamente tomado pelo casal.

Fiz uma busca pelo Google e encontre outros vídeos, sempre dos dois, alternando as posições mais improváveis, com carícias e declarações aparentemente sinceras de amor. Enviei para as pessoas que eu tinha mais intimidade e chamei minha namorada para ver aqui em casa. Pus o vídeo, ela me xingou de tarado, mas depois se calou, se estupefou, chorou e começou a me beijar ternamente... e loucamente. A nossa relação sexual tinha esfriado, mas a volúpia daqueles vídeos melhoraram muito o nosso enlace e, pelo que eu soube, isso aconteceu com vários casais de várias idades e momentos da relação.

A partir daí, começamos a enviar o link pra muita a gente, isso acontecia simultaneamente no mundo todo. O caso explodiu na blogosfera, emergindo na TV e nos jornais. Todos só falavam do misterioso casal romântico-pornô. De tempos em tempos, novos vídeos apareciam, cada vez mais surpreendendo a todos com a versatilidade dos corpos, do sexo e do amor.

A indústria do pornô começou a mudar. Os vídeos que não tinham diálogos e carícias começaram a perder o interesse. Atrizes e atores pornôs que não se adaptavam a nova forma de “atuar” eram demitidos e as que se adaptavam, tinham uma atuação ainda assim medíocre na maioria das vezes. Novas atrizes e atores apareciam, cada vez mais sintonizados com o casal misterioso. Era fator importante na contratação que os atores tivessem relações afetivas entre si e os que não tinham eram estimulados a ter.

Hollywood também se modificou e começou a mostrar mais nus masculinos frontais e cenas mais explícitas: apareceu o gênero “comédia romântica adulta” e derivadas. Atrizes famosas começaram a topar cenas de sexo explícito e os filmes que continham as cenas faturavam alto. A indústria pornô começou a perder terreno e o novo ramo de Hollywood só crescia. Discutia-se colocar esses filmes sem censura, mas as alas cristãs da sociedade se revoltaram. Houve efeitos em outras áreas, entre eles: o “Kama Sutra” liderou a lista de best-sellers em vários países e os consultórios de psicologia começaram a esvaziar.

Corria o boato que o casal apresentaria uma cena de orgia. A expectativa era angustiante. O jornalismo buscava enormemente quem era o casal, oferecia-se fortunas pra quem descobrisse algo sobre eles, falava-se até no envolvimento do FBI.

Foi então que, finalmente, pipocou na Internet as cenas de orgia. Havia cinco pessoas, dois caras e três mulheres, todos lindos e parecia que eles se amavam. Várias etnias, vários sotaques, gemidos, falas-canções, gestos nobres e tesão, muito tesão. O casal comandava a orgia, mas havia sinergia entre os cinco. Notava-se no cenário, estátuas de Dioniso, Eros e Afrodite, o símbolo do Tai Chi e músicas eruditas com arranjos que se mesclavam à sensualidade e afetividade da cena. Aquele amor se tornava insuperável.

Os boatos surgiam aos bulhões: eles faziam parte de uma conspiração, eram de uma seita demoníaca, eram extraterrestres prestes a nos colonizar. Mas nada foi descoberto, e depois da cena de orgia, nunca mais apareceram outros vídeos. Estudiosos verificaram que no último vídeo se ouvia sutilmente a frase em várias línguas ao longo de todo vídeo: “para duas ou mais pessoas se relacionarem sexualmente, é preciso que todas elas se amem” e isso, fora alguns delírios que não valem a pena mencionar, foi entendido como um cuidado para não se cair em uma apologia gratuita da orgia, mas que o amor, se envolvia a todos, poderia se manifestar inclusive sexualmente.

Não se soube mais nada oficial da parte do casal, só sei que mudou a minha forma de amar, de conceber o sexo, a pornografia. A minha e de muita gente. Talvez eles fossem exibicionistas, talvez hippies excêntricos, ou simplesmente atores inconformados com a mesmice da indústria pornô. Mas o sexo amoroso deles preencheu vários corpos de alegria e desejo, tornando a vida de muitos, uma pulsação de afetividade plena.

Nenhum comentário: