Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

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15.9.10

Esgotamento


Esgotado. Cansei de pedir licença, de falar pausado e de comer algodão doce. Fiz tudo que pude pra fazer um bom trabalho, mas nada serviu pra mim. Juntei os amigos, ri, chorei, fiz confidências inconfessáveis... mas e daí? Amei de todo jeito, feliz, paranóico, desejante, desejado, (h)erético, traidor, mulambento, galanteador. Trepei, fiz amor, apenas congestionei os corpos, não fui eu, brocha, meia-bomba, copulei com meu ego. Escutei todas as músicas, pop, rock, inclassificáveis, eruditos e Tiririca. Li os grandes autores, os merdas, os pretensiosos, os menores, os que só eu e a tia Jacinta conhecemos, as histórias em quadrinhos, os contos eróticos da Playboy. Romancistas, filósofos, enganadores, poetas, palhaços, malditos, fedidos, fodidos. Mas nada, nada, fez passar essa canseira infinita, tão infinita que me faz acordar de madrugada de tanto fadiga. Meu corpo pede pra parar, quando para, ele se esgota. Quando arrisco um brusco movimento, a cansaço aparece, levemente atordoado, diminuído, cansaço cansado de si. Vi os filmes, os cabeças, os blockbusters, os grandes fracassos, os que só passavam no Estação, os que só tem em DVD, os que são proibidos de baixar. Rezei, meditei, acreditei, duvidei, fiz promessa, romaria. Deus cochichou que acreditara em mim. Fiz terapia, regressão de vidas passadas (fui camponês!), workshop do Anjo Pessoal e li Paulo Coelho e Madame Blavatsky, joguei tarô, I Ching, runas, joguei tudo pro ar, me joguei na vida, me escondi da vida. Dancei de cabeça pra parede, com a vassoura e (muito mau, mas muito mau mesmo) um tango, mas pode ser que seja um bolero, porque eu confundo muito ambos. Fiz a conta, usei a calculadora, abdiquei dos números. Contei carneirinhos e andróides. Sonhei, interpretei, desenhei, tive pesadelos, achei que não tinha porra nenhuma a ver com nada, parei de sonhar, lembro-não-lembro. Votei, virei anarquista, votei nulo, quis fazer abaixo-assinado contra, a favor, nem contra, nem a favor. Coordenei o grupo, desfiz grupos, me individualizei, fiquei anti-social e tudo pelo social. Fui atemporal e linear. Careta, junkie, atleta e preguiçoso. Mas nada me tirava o peso da alma. O esgotamento absoluto. Será que existe alguma aresta, minha nossa senhora? Alguma aresta. Enlouqueci, dei uma de bem resolvido (ambos são surpreendentemente parecidos), procurei o xamã, o benzedeiro e o vigarista. Todos ajudaram da sua forma, e funcionaram de alguma forma. Torci pelo time (qual mesmo?), odiei futebol, fui indiferente, mas a bola continua rolando, rolando. Fui no baile funk, no Monobloco, na rave, na festinha de maconheiro, no jantar da madame, engasguei quase tudo. Adoeci na pele, na testa, na alma. Abandonei a família, fui o filho pródigo - dali nunca saiu cafuné – humilhei o irmão, fui humilhado e homenageado, ambos soaram óbvios e falsos. E fui outro e outro e absolutamente o mesmo. Mas continuo esgotado. Morri uma vez, naquele acidente. No coma, vi toda a minha vida de trás pra frente, vi a escuridão mais bela e plena e a claridade mais ofuscante e pacificadora. Mas o peso continuou. Aqui, sem mais arestas, sem mais ângulos e sangrando. Creio que crio, mas e daí? Novo, de novo? Como? Canso, inspiro, resisto, fluo. Esgotado.

3 comentários:

Cla Leal disse...

Que maravilha!!!

Carol G. disse...

"Mas nada me tirava o peso da alma..será que há alguma aresta?...o peso continuou.."

Tenho a mais absoluta certeza de que cria também . Mas e daí?
Ah .....tanta coisa Nelson!

"Tudo novo de novo", puro devir.
Vc me cantou essa pedra e outras tantas.. =)

LINDO texto, estou emocionada, tocada,arrepiada.
Por que? Talvez pq muitos pensem, outros tantos se identifiquem, mas poucos, pouquíssimos tenham a coragem de falar, de se expor e principalmente de compartilhar!
Eu provavelmente sou uma dessas.
Se isso é bom ou ruim, aí já não sei..mas tenho a total convicção de que: se somos capazes minimamente de assumirmos pra nós mesmos que algumas coisas nos pertencem,outras não, que pensamos assim, fazemos assado, que nos orgulhamos mas depois nos arrependemos, que estamos, mas depois saímos que não temos A RESPOSTA e talvez nunca tenhamos, isso por si só(pra mim) é muito, o bastante(?),louvável !

beijos
Carol G.

Nelson Job disse...

Obrigadíssimo, Carol. Mas vc teve a coragem de compartilhar agora! Bjs