Meu filho,
Venho aqui lhe falar para pedir
desculpas. Não pelo que eu tenho lhe feito, pelas minhas faltas com você, por
alguma insensibilidade, enfim, não lhe peço desculpas pelos meus erros com você,
que tendem ao infinto, mas peço desculpas pelo que, inevitavelmente, sou.
Tudo que faço, cada respiração
minha, vai atravessar a sua vida. Quem me odeia, vai olhar o meu sorriso em sua
face e vai te odiar, ao menos a princípio. As minhas demandas mau cuidadas, que
eu por covardia, preguiça ou esquecimento larguei de lado, vão ecoar em seu cotidiano
quando você estiver absorto com as suas mais idiossincráticas questões. Aqueles
que eu devo, seja respeito, atenção ou desprezo, vão esperar de você o mesmo,
apenas ao reconhecer um vislumbre do meu olhar no seu. Os fatos que me
assoberbaram e eu quase nada pude fazer, vão lhe cobrar a coragem e destreza,
que eu não tive.
Então, meu filho, o mundo que
você vive, com as suas escolhas, por mais sábias que sejam, vão ser assoladas
pelo meu mundo, e pelos mundos que eu atravessei. Os ecos dessas passagens vão
gerar obstáculos e empurrões em sua jornada, a despeito do seu projeto. A minha
herança, meu filho, é a inevitabilidade da nossa corrente. Assim como minha
família amaldiçoou a revelia de seus desejos a minha vida, eu te amaldiçoo
também, com a ternura possível da minha consciência. Dar a vida é miraculoso,
no bojo de uma maldição: o plano em que se nasce. O plano tecido pelos
ancestrais.
Claro que nossa destreza pode
nos libertar, é isso que eu anseio que você faça. Mas cuidado em me negar. Talvez eu mereça... Mas se me negar, se negar a história que lhe
atravessa desde a ausência do Tempo, você pode ficar cego ao que carrega
dentro de si, mesmo sem querer, ou pior, sem apreender.
Por isso, meu filho, meu ato de
amor derradeiro é lhe confessar que simplesmente sou. Sou, e esse simples ato
de ser me faz transmitir a você as mais estranhas sinuosidades das nossas
vidas. Você, é claro, pode e deve ir além. Mas, apesar da obviedade, insisto em afirmar: é através do que você já possui que é possível forjar o novo.
Então, peço desculpas pelo que
sou. Cultive a sua vida, as suas escolhas, para que você amaldiçoe pouco os que
virão. Toda vez que você sorrir, que seja da vitória sobre a maldição. Não há
legado maior.
Sinceramente, perdão.
Seu pai.
3 comentários:
Reafirmo aqui minha posição de fã do Druam e nessa condição me permito dizer pela 3a, 4a..vez: LINDO NELSON.
Desfazendo fantasmas,aceitando porque se entende os motivos transgeracionais ou não..não é de resignação que se trata,mas justamente de que o máximo e já é demais que possamos fazer, seja justamente confessar quem somos ou generosamente deixar o outro abrir a nossa porta..para os mistérios desvendar. Nenhuma das escolhas é fácil,mas se quem fica tem boa vontade,coragem e desejo de entender..todo resto deve fluir, sem tanto sofrimento, com mais espaço para esse reconhecimento que passa pelo ato de amar e não só pelo amor.
É isso! Obrigado.
IMPACTANTE!!!
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