Druam

Druam tende a ser uma experiência "ficcional" em devir, escrita por Nelson Job, pesquisador transdisciplinar, autor do "Livro na Borogodança", do romance "Druam", entre outros. Site: www.nelsonjob.com.br

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21.7.12

Carta ao Filho

                                                                                                     “Só depois de muito tempo fui entender aquele homem."                                                


                                                                                                        “ Dias de Luta"   Ira!







Meu filho,

Venho aqui lhe falar para pedir desculpas. Não pelo que eu tenho lhe feito, pelas minhas faltas com você, por alguma insensibilidade, enfim, não lhe peço desculpas pelos meus erros com você, que tendem ao infinto, mas peço desculpas pelo que, inevitavelmente, sou.

Tudo que faço, cada respiração minha, vai atravessar a sua vida. Quem me odeia, vai olhar o meu sorriso em sua face e vai te odiar, ao menos a princípio. As minhas demandas mau cuidadas, que eu por covardia, preguiça ou esquecimento larguei de lado, vão ecoar em seu cotidiano quando você estiver absorto com as suas mais idiossincráticas questões. Aqueles que eu devo, seja respeito, atenção ou desprezo, vão esperar de você o mesmo, apenas ao reconhecer um vislumbre do meu olhar no seu. Os fatos que me assoberbaram e eu quase nada pude fazer, vão lhe cobrar a coragem e destreza, que eu não tive.

Então, meu filho, o mundo que você vive, com as suas escolhas, por mais sábias que sejam, vão ser assoladas pelo meu mundo, e pelos mundos que eu atravessei. Os ecos dessas passagens vão gerar obstáculos e empurrões em sua jornada, a despeito do seu projeto. A minha herança, meu filho, é a inevitabilidade da nossa corrente. Assim como minha família amaldiçoou a revelia de seus desejos a minha vida, eu te amaldiçoo também, com a ternura possível da minha consciência. Dar a vida é miraculoso, no bojo de uma maldição: o plano em que se nasce. O plano tecido pelos ancestrais.

Claro que nossa destreza pode nos libertar, é isso que eu anseio que você faça. Mas cuidado em me negar. Talvez eu mereça... Mas se me negar, se negar a história que lhe atravessa desde a ausência do Tempo, você pode ficar cego ao que carrega dentro de si, mesmo sem querer, ou pior, sem apreender.

Por isso, meu filho, meu ato de amor derradeiro é lhe confessar que simplesmente sou. Sou, e esse simples ato de ser me faz transmitir a você as mais estranhas sinuosidades das nossas vidas. Você, é claro, pode e deve ir além. Mas, apesar da obviedade, insisto em afirmar: é através do que você já possui que é possível forjar o novo.

Então, peço desculpas pelo que sou. Cultive a sua vida, as suas escolhas, para que você amaldiçoe pouco os que virão. Toda vez que você sorrir, que seja da vitória sobre a maldição. Não há legado maior.

Sinceramente, perdão.
Seu pai.


3 comentários:

Carol G. disse...

Reafirmo aqui minha posição de fã do Druam e nessa condição me permito dizer pela 3a, 4a..vez: LINDO NELSON.
Desfazendo fantasmas,aceitando porque se entende os motivos transgeracionais ou não..não é de resignação que se trata,mas justamente de que o máximo e já é demais que possamos fazer, seja justamente confessar quem somos ou generosamente deixar o outro abrir a nossa porta..para os mistérios desvendar. Nenhuma das escolhas é fácil,mas se quem fica tem boa vontade,coragem e desejo de entender..todo resto deve fluir, sem tanto sofrimento, com mais espaço para esse reconhecimento que passa pelo ato de amar e não só pelo amor.

Nelson Job disse...

É isso! Obrigado.

Carolina disse...

IMPACTANTE!!!